VELHA ROUPA COLORIDA

Olá velho amigo. Aqui estou, depois de um longo inverno para te contar por onde andei, o que vivi, o que senti, as lições, as perdas, as emoções, as conquistas e o que ainda acontecerá.

Retorno ainda tímido nestas linhas, meu templo confessional de prosa solitária, que há muito andava distante de mim. Estou vestindo novamente aquela mesma velha roupa colorida que me trouxe até o presente, retomando novamente o gosto pelo futuro.

Sobrevivi ao caos dos últimos anos de insanidade humana... Pandemia, feridas expostas, amizades desfeitas, redescobertas, depressão, catarse... A montanha russa do que sou nunca esteve tão intensa como nos últimos cinco anos que estivera aqui... Aliás, revendo meu último ato, “sobre o amor e ódio”, parece que foi isso mesmo que vivi, em doses alternadas, tão intensa que pensei que meu peito iria explodir, mas superei, e de certa forma como dito: Sobrevivi.

Escrever sempre foi um ato de cura, uma confissão para o Ego, uma bússola para o coração, uma maneira minha de exorcizar minhas dores, de amolecer esta armadura que construí ao longo de trinta e sete anos de jornada neste planeta. Porra! É difícil pra caralho ser forte pro mundo!

Confesso, novamente, que tem sido dias cinzas no mundo de dentro da gente, estranhamente oposto ao que vivo do lado de fora... Já me questionei se minha mente habita mesmo outra dimensão, incompreensível a luz da realidade vigente, tão distante do mundo que habito, onde minhas feridas cicatrizam e meus sonhos ganham asas... A palavra do dia talvez seria “angústia”, mas não acho sentido pra defini-la assim... Será que estou ficando louco ou a realidade é mais dura do que posso suportar?

O certo amigo, é que estou aqui novamente tentando ser quem eu sempre fui e no meio do caminho esqueci de ser, por diversos motivos, ainda reprimidos e bloqueados o suficiente para não te confidenciar, mas espero que ao longo do nosso reencontro eu consiga me libertar enfim de muita coisa que ainda me pesa no peito.

Eu sei, tenho tudo para ser feliz e sou, mas acontece que nem sempre podemos nos despir de todas as camadas que aglutinamos ao longo da jornada. Pessoas dependem de mim, sonhos dependem de mim, mas e eu, dependo do que? Eu ainda não sei com total clareza, mas com calma chegarei lá, eu acredito.

Aqui estou novamente velho Amigo, para tratar contigo das feridas guardadas, que precisam ganhar luz, para enfim me libertar de correntes que não me pertencem mais. A velha roupa colorida ainda faz sentido pra mim. Aquece meu peito. Eu me sinto tão sozinho que transborda e ecoa dentro de mim um silêncio incômodo e um grito de choro, mas não posso, não quero... Sou mais que isso, sou flecha, sou livre, sou cavalo selvagem que está aprendendo a ser manso, tão manso que consegue dormir, apesar do medo de não acordar noutro dia.

Hoje o peito aperta, mas não de dor, é de medo do que pode transbordar.
Qual será o próximo capítulo dessa jornada velho Amigo?

Victor Matheus

SOBRE O AMOR E O ÓDIO

A vida fica muito mais colorida e serena quando sua jornada ganha a dádiva de ser compartilhada com amor.

Nesses tempos de ânimos exaltados, discursos de ódio, ofensas, torturas e cuspidas, ter um porto seguro para se guardar das energias negativas alimentadas pela desinformação é um privilégio, daqueles semelhantes ao presente que é estar vivo e caminhando por este planeta.

Como é difícil ser respeitado e respeitar as opiniões alheias, apenas mantendo o silêncio sem manifestar qualquer contra ponto porque simplesmente cansa, não vale a pena e só continua a alimentar essa corrente sombria de conflitos.

Queria ter nas mãos a solução para todos os problemas do mundo, num estalar de dedos, e ver minhas utopias se materializando na minha frente, mas a divindade que habita dentro de mim ainda tem um longo caminho para ser desperta e ajudar na corrente dos semeadores de luz.

Ainda assim prefiro o amor, as flores, os abraços, a compaixão e o perdão como armas em tempos assim, porque acredito que um coração de janelas abertas para acolher sempre vencerá o ódio.

Precisamos, todos nós que encontramos no caminho do meio a solução para os problemas, unir ideias, sintonizar sonhos e abraçar uns aos outros, compartilhando sorrisos e se permitindo experimentar mais ao invés de condenar, sempre com lucidez.

Quando temos alguém do nosso lado para nos proteger, nos alertar, e até mesmo divergir de nossas ideias, caminhamos com passos firmes em direção a luz, nesse lindo processo de evolução que nos é presenteado por Deus quando chegamos a este planeta.

Por isso tente, experimente, se reinvente e se cair levante e tente outra vez... Se estiver sozinho busque o conforto e a inspiração na família, nos amigos, num passeio qualquer de bicicleta, caminhada ou cineminha, e se ao teu lado estiver teu porto seguro, não pense duas vezes em baixar suas defesas, e aceitar que somos seres humanos com defeitos e qualidades, e privilegiados por ter em nós a centelha divina que nos permite evoluir e reconhecer nossas falhas.

O bom da vida, sobre o amor e ódio, é reconhecer cada um, e admitir que para cada pedra lançada, um flor também é semeada.

Que os bons ventos da esperança e compaixão prevaleçam em nossas jornadas nesses tempos de guerra.

O amor é a verdadeira revolução!

Victor Matheus

PEIXOTO

O barulho estridente do velho relógio de corda cromado Herweg marcava exatamente cinco horas e trinta e sete minutos. A luz do sol timidamente surgia no firmamento naquela manhã de inverno, dançando com o solfejo de um canário da terra destemido repousado na janela. 

Antes de cerrar o barulho da sirene do velho relógio, Peixoto já estava de pé, vestido com camisa do time colorado de coração, jaqueta forrada com lã de ovelha, calças jeans surradas, e botas de grosso solado de madeira. 

Com a adaga de prata, herança do avô mestiço, preparou o fumo de corda enquanto a água fervia no fogão a lenha para o primeiro mate da manhã. Tirou do armário uma fôrma preenchida com pão sovado, coberta com um pano de prato bordado pela tia Nina, uma senhora quase centenária de cabelos alvos e sorriso largo, que sempre lhe visitava aos domingos depois da missa na Paróquia de Santo Amaro. 

Sentado numa confortável poltrona acolchoada com um pala, Peixoto queimou seu fumo de corda no cachimbo, enquanto bebia um mate amargo, esquentando o seu corpo ainda tenaz, que pouco acusava os duros anos de trabalho no campo. 

Ao longe, onde a vista ainda alcançava o foco, avistou um gaudério se aproximando da porteira. Peixoto passou a mão na cintura, tateando a garrucha, então ouviu de longe a voz do tiatino indagando: “Senhor Peixoto mora aqui”? Após um belo trago no fumo, com a voz rouca e viril, Peixoto respondeu: “Cavalo bom e homem valente a gente só conhece na chegada”.

Victor Matheus

TRIBUNAL DE FACEBOOK

“Que decepção, traidor, mudou de lado, corrompido, mentiroso, seu sorriso engarrafado”

Música e poesia, prosas e mais prosas movido a litros de hidroxila moldaram-me ao longo de três décadas, marcando passos firmes neste mundo... Arte, que com arte se expande, é o que me motiva.

Já fui hippie e coroinha, contraventor e poesia, fui artista na contramão, refutei ideologias. Disse não a corrupção no mercado da música dita independente, cheia de hipocrisia. É, sou mesmo a metamorfose ambulante, mas sinceramente, me poupe dessa gente calhorda, sem conteúdo e alegria.

Sobrevivi as cruzadas avessas virtuais, combati os assassinos de reputação, fiz da minha fé um escudo nestes tempos de pseudo revolução. Uma andorinha só não faz verão, mas também é ouvida se virar canção.

De tanto ser do contra, acabei virando situação. A vida tem os seus paradoxos: um dia é veneno, no outro a redenção. Quem diria, aquele garoto estranho, agora é o inimigo infiltrado na multidão?

Outro dia ouvi dizer: Olha lá o playboy... então pensei: quem é você moleque de fraldas, o perfeito burguês, sustentando pelo papai, que não paga um boleto no mês? Quer bancar o lacrador e nem sabe escrever português... Ah! Faça-me um favor, primeiro pague as suas contas, limpe as suas fraldas, vê se cresce filhote, no mundo real, engomadinho não tem vez!

Esta é a minha situação: Nadando contra a revolução, não posso mais que isso, combater o vitimismo, no tribunal de facebook, uma inversa inquisição!

Victor Matheus

MERGULHO INFINITO

Um mergulho rápido e certeiro na era balzaquiana de um homem, enxerga seus nervos conectados umbilicalmente com as energias da nova Era, mas nada desse papo bicho grilo, tipo ativista pelos direitos a ter direitos a ter defeitos ou não, um lance distante da engenharia social já ultrapassado e démodé no mundo real. 

As experiências imprimem um mosaico de retalhos fotográficos imaginários, registrados em uma conexão diferente, sutil, saudosamente oposta ao que foi um dia, calibradas em ondas quatrocentas e trinta e duas frequências mais elevadas, degustadas e ejaculadas mentalmente nas pequenas e grandes emoções e ereções, engolidas com doce, amargo, azedo, salgado, quente, frio, vivo... Quase iluminado.

Passa o balzaquiano a respirar mais lentamente, conversando internamente com o zumbido da mosca outrora ignorado, ouvindo mais, falando menos, seguindo firmemente os ensinamentos dos mestres antigos, há anos devorados aos litros de vinho e livros, absorvendo ideias e ideais solitariamente, até um start existencial despertá-lo para a sua ascensão libertadora.

Queimam-se velhos papéis, leitos de poemas imaturos, versos de um coração ainda puro, imaculado sem saber. Desapega-se do que não mais agrega, compreende que a Vida, esta ávida Vida com suas dores e sabores, é tão somente uma longa, imprevisível, edificante jornada, e sente-se feliz por reconhecer a sua dádiva de ser, apenas ser, respirar e viver aqui.

Os sonhos, sentidos, desejos e espírito balzaquiano sabem, ainda um saber bebê, que as tormentas, dias cinzas, lua cheia e girassol pertencem e existem somente dentro você. Não há nada e ninguém para mudar isso. Seu destino está escrito na sua coragem de seguir em frente. 

O balzaquiano agora sabe, e por isso vai, passo a passo, dia a dia, respiração após a outra, passando os olhos no retrovisor de si mesmo, sorrindo sozinho, sendo grato ao divino, por ter lhe dado tudo que foi pedido, com amor, tesão, até em delírio. Lá vai um homem forte, dentro de si mesmo, cicatrizes, troféus e histórias, seguindo a música, abraçando seu destino, infinito.

Victor Matheus