FEITO DE AMOR

Desde muito pequeno a paixão pela informação e o conhecimento me arrebatara de tal maneira que só me via gente grande de duas formas até então: jornalista ou escritor. Adorava nos tempos de escola fundamental passar os intervalos na biblioteca da escola Osvaldo Cruz bisbilhotando os jornais e revistas em busca de novidades, conhecimento, entretenimento e algo “secreto” que pudesse me gabar com os colegas de aprender ou de conhecer primeiro e poder compartilhar. Na minha cabeça eu seria um oráculo do novo e desconhecido com a missão de compartilhar com todos os “segredos do mundo”. Infelizmente o jornalismo não virou minha profissão mas jamais deixei a escrita de lado. Estas linhas são a prova disso.

Herdei deste tempo de infância o hábito de buscar todos os dias novas informações, seja na TV, nos filmes, no rádio, em jornais, revistas e agora no mundo virtual que me levam cada vez mais a lugares inóspitos e interessantes, assuntos talvez pouco relevantes para a maioria das pessoas mas que me proporcionam momentos singulares de uma experiência pessoal que se torna na maioria das vezes indescritíveis em palavras. Também foi na mesa de muitos bares que cultivei amizades, confrontos ideológicos e filosóficos infindáveis e trilhei um caminho por hora volátil mas determinante para me levar ao mar de calmaria e sossego que me encontro hoje.

Passei a me questionar de onde vinha esta sede pela descoberta de novas ideias, porém, infelizmente por certo tempo não encontrei as respostas concretas e convincentes. Desenvolvi uma lógica de vida que consiste em viver cada dia de uma vez, emanando sempre mantras positivos para a vida dos quais muitos já compartilhei nestas linhas também, entre eles “abraça o mundo que o mundo te abraça”, “cultive o amor, cultive amor, só amor”, “a arte do equilíbrio”, “a arte da paciência” entre tantos outros devaneios filosóficos e espirituais que apliquei ao meu cotidiano e que realmente funcionam e do qual acredito que pode funcionar na vida de quem utilizar também. Ainda assim, um certo incomodo permanecia em meus pensamentos por não saber claramente de onde veio esse vício quase psicótico em descobrir o novo e querer o ponto de equilíbrio que possa me levar definitivamente a iluminação. Felizmente mais uma vez apliquei um dos meus mantras diários e tive as respostas aos meus questionamentos na melhor ocasião e da forma que mais aprecio: Casualmente.

Percebi o óbvio mas que insistentemente não fazia sentido até agora, e finalmente compreendi que sou fruto físico e espiritual da união de duas pessoas incríveis que são os meus pais. Descobri que este sentimento humanitário, acolhedor, justo e protetor que carrego comigo herdei de minha mãe, que a malandragem de correr dos perigos, superar os desafios, fazer de um pedaço de papel uma máquina mortífera, ou mesmo construir uma nave espacial sem nunca ter estudado formalmente física, astro física, leis universais e cálculos matemáticos complexos foram heranças cultivadas ao longo da minha vida ao observar, admirar e realizar façanhas improváveis ao lado de meu pai. Esse jeito de encarar o mundo, de apertar a bundinha da vida quando ela vira as costas pra você, e de sorrir dos próprios tropeços, bater a poeira e seguir de novo... Meus pais me ensinaram a nunca desistir dos meus sonhos, não importa o quanto difícil pode ser de realizá-los.

Se eu pudesse definir só por hoje o sentido da vida, o segredo para o sucesso, a maneira pela qual conseguimos mais rapidamente realizar nossos sonhos, ou simplesmente aprender a aceitar as coisas como elas são e extrair o leite da pedra, apenas uma frase me vêm a mente: feito de amor. Acordei com este pensamento hoje, e como a vida é feita de acasos, de surpresas e de reviravoltas, encontrei a mesma resposta num lugar pouco provável, ao ler uma notícia velha, de abril deste ano, no meio do meu exercício diário na busca pelo novo, através de um depoimento de um ator que na ocasião sofria de um câncer raro e recebeu a carta de um fã que lhe dizia o seguinte: "Sorria, brinque, chore, beije, morra de amor, sinta, sonhe, grite e, acima de tudo, viva. O fim nem sempre é o final. A vida nem sempre é real. O passado nem sempre passou. O presente nem sempre ficou e o hoje nem sempre é agora. Tudo o que vai, volta. E se voltar é porque é feito de amor." Após ler esta frase meu corpo estremeceu e mais uma vez a vida me presenteou com uma experiência incrível de perceber nos detalhes a beleza e o privilégio que é poder caminhar neste mundo. O que é feito de amor, permanece constante e indestrutível. Felizmente aprendi mais esta lição. Sigo em frente.

* Victor Matheus

JOGO DE PODER

A volatilidade que o homem tem em ser capaz de mudar a direção dos seus passos é o que trouxe a humanidade ao ponto em que se encontra hoje. Por meio da curiosidade, da auto crítica e do anseio em buscar novos horizontes, nossa espécie mistificou as estrelas e satélites, transformou homens em santos, construiu impérios, pilhou, saqueou, escravizou seus semelhantes e manipulou governos e massas a favor do próprio ego e do poder.

É bem verdade que não há somente mazelas para reconhecermos em relação ao nosso semelhante, pois há muita beleza criada pelas mãos dos filhos dos deuses e que podemos admirar a todo momento ao nosso redor e no horizonte. Mas a reflexão que indago é: Até que ponto somos capazes de sobrepor a ganância e o ego sob a honra e o bem comum?

Vejo diariamente fatos que me dão asco quanto aos jogos de poder e barganha que presencio em nossa sociedade, em todos os aspectos. Quem acompanha meus devaneios nestas linhas já sabe há um bom tempo meu posicionamento quanto a política partidária: Apenas anulei do meu cotidiano. Respeito como cidadão a didática adotada pelas lideranças políticas escolhida pelo nosso povo de forma “democrática”, concordo em partes de como desenvolvem seus planos de governos, e me abstenho desse debate simplesmente por desacreditar em mudanças reais partindo do topo desta pirâmide.

Em contrapartida, vejo na base desse sistema muitas oportunidades para realizar as mudanças utópicas que construí ao longo da minha jornada e que compartilho há um bom tempo, em especial relacionado a cultura, a força motriz e fagulha histórica que sempre estimulou as mudanças sociais e políticas do mundo como um todo, mas como um vírus mortal e imediato, esta parte “sagrada” da engrenagem da grande máquina orgânica chamada sociedade também está se corrompendo.

A cultura virou simplesmente uma moeda de troca num jogo de poder, onde apenas os barões e suas “casas reais” se beneficiam com estas articulações, utilizando um discurso falido que prega a igualdade, coletividade e solidariedade, quando na verdade, para qualquer observador mais atento, não passam de manobras articuladas na calada da noite para o benefício de uns poucos e com prejuízos imensos para muitos. Agora pergunto quem são os culpados por atravessarmos um período estagnado em nossa sociedade, especialmente relacionado a cultura de vanguarda, que vive apenas do passado e não apresenta algo realmente substancial e relevante no presente para nos orgulharmos num breve futuro? Os culpados somos todos nós que passivos, fazemos parte desse jogo de poder, sendo protagonistas e expectadores, que aceitamos calados por conveniência ou por censura a prostituição de uma parte da sociedade que tem um dos papeis fundamentais na construção de um futuro melhor para o bem comum e as futuras gerações. Ainda assim há aqueles que não se conformam com o cenário e lutam por mudanças.

Enquanto as mudanças reais não acontecem, não desistimos de gritar para o mundo nossas insatisfações, muito menos deixaremos nos corromper por um novo sistema que está contaminando uma parte essencial e norteadora das mudanças que queremos para as futuras gerações. Persistimos apontando os erros e desmascarando as artimanhas canalhas, reconhecendo os desafios e propondo ideias para as mudanças reais e positivas que almejamos. Raul Seixas disse certa vez que “sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade...”. Ainda acreditamos nesta oração profética e não desistiremos de tal sonho enquanto os podres e medíocres generais não forem destituídos e eliminados desse jogo de poder que definha as possibilidades de evoluirmos como sociedade, com senso crítico e respeito ao bem comum, a nossa história, a nossa cultura e nossa relação com o próximo. Cultura não é moeda de troca. Cultura não é produto para manobras políticas e controle social. Cultura não é meio para auto promoção. Cultura não é mercadoria descartada por conveniência. Abaixo o jogo de poder, enterro aos que usam dele para afagar o próprio ego. Devemos ser duros sim, sem perder a ternura, e sem medo de lutar pelo que acreditamos.

* Victor Matheus