DE VOLTA PRA CASA

Tem dias que a fonte seca. Falta inspiração para colar no papel nossos pensamentos. Simplesmente apertamos com força o peito para ver se escorre entre as mãos algum tipo de sentimento válido de compartilhar com o mundo, mas nada sai. Dias assim são como o silêncio... Calmos, vagarosos, mas ainda sim interessantes. Há beleza até na ausência de cor no foco dos olhos.

Suspeito que a razão de tal apatia literária seja causada pela saudade, pela ausência da presença física ao nosso lado de quem amamos, de nosso porto seguro, de nossa estrela guia, de nossa luz, a parte mais importante de nossa vida, o motivo por querermos evoluir e buscar o amanhã, de quem não está presente por questões alheias a nossa vontade... A saudade tem esses efeitos colaterais, nos deixa simplesmente sem tesão para muitas coisas da vida, principalmente as materiais, em compensação nos transporta a um estado de nostalgia e letargia... Olhamos para o passado, reafirmamos o sentimento e buscamos desesperadamente o futuro... Queremos o dia de amanhã mais que os números da loteria, mais que o diploma da faculdade, mais que o salário na conta bancária e o próximo gole de bebida... Só nos interessa estar ao lado de quem nos completa, da pessoa que sem precisar fazer nada já imprimi em nossa face um belo, largo, brilhante e sincero sorriso.

Tenho vivido dias assim. Dias de sentir o peito apertado, um espaço vazio clamando para ser preenchido rapidamente com abraços, beijos, afagos e cama... Abraço desesperadamente fotos, poemas, na esperança de trazer para perto aquela que tanto me completa... Sinto a sua presença na brisa do vento de fim de tarde, no cheiro do lençol onde foi sepultada sua fragrância natural antes da partida de volta para seu ninho natal... Por causa da saudade perdemos um pouco do foco para hábitos simples do dia a dia... Deixamos a barba por fazer, aquela caminhada a noite para cuidar da saúde, atravessamos noites mal dormidas com o pensamento inquieto e o coração suspirando carência, o recolhimento para um casulo de silêncio auto imposto... Até a chegada do dia do próximo encontro.

Então mudamos radicalmente. O tempo, que antes era contado por semanas, agora se tornam dias, e quanto mais próximo do novo encontro, horas e minutos. Aparamos o cabelo, fazemos a barba, compramos roupas novas, levantamos pesos para tonificar os músculos, compramos presentes e nos transbordamos de ansiedade. A vida retorna a sua leveza. Buscamos nas gavetas da memória os momentos e motivos pelos quais a euforia nos contamina outra vez... Não há nada mais gostoso que reencontrar seu grande amor no saguão de um aeroporto depois de semanas de exílio contra a nossa vontade... Planejamos e calculamos repetidamente os primeiros atos do encontro, mesmo sabendo que nossa reação, ao pousar nossos olhos novamente no sorriso daquela que nos completa, será tão arrebatador quanto foi da primeira e de todas as outras vezes que aconteceram... Simplesmente toda a insegurança, ansiedade, carência e desespero se exterminam. Reencontrar seu grande amor te coloca de novo nos trilhos da paz interior...

Repousar novamente nos braços do grande amor é voltar pra casa.... Como um filho que passou as férias longe do lar, e busca insanamente o calor do colo dos pais, os brinquedos, o quarto, a rotina de escola, as travessuras... Simplesmente voltar ao embalo dos pedaços simples de felicidade espalhados ao nosso redor. Retornar aos braços da amada, nos deixa leves novamente, nos fortalece, e poe diante de nós, despido de qualquer sentimento impuro, as razões que realmente importam, que nos fazem suportar qualquer provação para vivermos ao lado de quem a vida elegeu para nos completar. Não há nada mais real na vida do que o amor pleno e sua recíproca, o único capaz de mudar o mundo dos sonhos e o mundo real, o universo de dentro da gente, e dar direção para nossos passos. Estou voltando pra casa outra vez.

* Victor Matheus

OURO DE TOLO

Minha infância sempre trouxe boas recordações. Lembro com carinho daqueles tempos de descoberta do mundo, quando minha alma e meu coração eram um enorme painel solar que absorvia todas as coisas boas e ruins da atmosfera física e abstrata. Nesses tempos de introversão, não tinha muitas amizades, mas uma em especial, a qual cultivo até hoje, foi construída envolta num universo fraternal e de bons momentos que guardo para sempre na memória.

Crescemos como todas as crianças normais: Brincávamos de jogar bola, videogame e brincadeiras de rua que toda criança que anda de pé no chão adora. Desafiávamos nossos limites morais andando de bicicleta até os bairros mais afastados de nossas casas sem nossos pais saberem, simplesmente por achar aquele ato o mais adulto e independente de todos. Como dois fãs de esporte, topávamos participar de qualquer equipe esportiva de nossas escolas. Handebol era uma paixão e não foram poucas as vezes que passávamos as tardes no quintal da casa de meu amigo atirando insanamente cocos secos no muro do fundo do pátio com o objetivo de “treinar” lançamentos. Não chegava a ser uma travessura saudável, mas nos divertíamos aos montes.

Com a chegada da adolescência alguns hábitos mudaram. Aliás, alguns hábitos foram acrescentados pois mesmo entrando na puberdade, nosso lado travesso nunca nos abandonou. Até hoje nunca nos deixou. Passamos a frequentar festinhas, ir a clubes de matinê e paquerar, e como todo adolescente, enfrentamos as temíveis espinhas, é claro, sem perder o bom humor. Nos orgulhávamos de ostentar um bigode de leite ridículo por achar aquela postura de garoto jovem de bigode ultra atraente, mas não sabíamos o quão ridículos éramos. Tentamos desesperadamente nos relacionar com as garotas, primeiro com beijos, depois com sexo, mas como não levávamos jeito para a história acabamos frustrados, pois sempre perdíamos para os garotos mais ricos, bonitinhos e populares da cidade.

Encaramos todos os altos da adolescência com bom humor, companheirismo, sem dar muita bola para os padrões sociais, mas queríamos ser garotos “normais”, que saíam para as festinhas, beijavam na boca, quem sabe apertar uns peitinhos no fim da noite e depois voltar felizes para a casa. Isso aconteceu, mas por muitos anos só em nossos sonhos e nas conversas infinitas sobre as questões da vida enquanto jogávamos videogame ou andávamos de bicicleta pela cidade atrás de latas de cerveja para nossa coleção. Resolvemos entrar para a academia de musculação, afinal que garotas se interessaria por dois jovens cheio de espinhas, que andavam de bicicleta, usavam bigode de leite e ainda por cima eram incrivelmente magros?

A partir de então criamos nosso próprio ritual pouco convencional para dois adolescentes. Acordávamos as seis horas da manhã para ir correndo até a academia que ficava a alguns quilômetros de nossa casa. Íamos correndo porque acreditávamos que assim nossas coxas aumentariam de volume muscular. Agora quando paro para pensar nisso me pergunto onde estávamos com a cabeça ao pensar em fazer isso? Depois de ficar duas horas internado na academia fazendo mil exercícios, voltávamos a pé para casa, dando uma parada na padaria para comprar pão. Competíamos para ver quem conseguia comer mais daqueles pães, e em dias inspirados cada um conseguia comer até quatorze deles. Em nossa cabeça louca, isso nos ajudaria a ganhar peso. Coisas de adolescente com baixa autoestima.

Foi nesses tempos e nessa atmosfera que mergulhei no mundo da música. Passei a cabular aulas para tocar violão na cantina da minha escola. Foi nesses tempos também que nossa amizade se fortaleceu por definitivo. Foi nesses tempos que uma música em especial embalou nossos dias e tocávamos repetidamente no microsystem enquanto nos empanturrávamos de pães. Sua letra marcante contava o cotidiano de um homem adulto, que havia vencido na vida mas ainda assim não estava satisfeito, e como um velho resmungão e com um texto ácido questionava a vida e seus sabores e dessabores. Nos identificávamos com cada linha daquela canção pois nos sentíamos assim, felizes mas incomodados com certos espinhos em nossa jornada. Esta canção, hoje, me causa uma profunda saudade daqueles tempos. Esta canção foi o hino da vida de dois jovens que compartilhavam e ainda compartilham de uma amizade sincera. Foi a trilha sonora de um tempo que nunca mais voltará, mas que guardo com carinho na memória. Já dizia essa mesma canção que “Eu devia estar contente porque tenho um emprego, sou um dito cidadão respeitável e ganho quatro mil cruzeiros por mês”, mas eu quero mais, muito mais da vida, e muito mais lembranças como essa para guardar comigo. Amizade é um amor que nunca morre. É a maior riqueza, a mais abundante que podemos levar desse mundo.

* Victor Matheus

SONHOS POSSÍVEIS

Fui um garoto introvertido. Caminhei sempre contra a maré e preferi viver no universo de dentro do que no universo de fora. Não foi uma escolha fácil, mas cresci feliz assim. Enquanto via outros garotos da mesma idade dando importância ao novo lançamento de um game, o novo brinquedo da marca estrela e o desenho sensação nos programas infantis da televisão, simplesmente me perdia em livros, em desenhos e nos discos de vinil.

Por conta dessa trajetória não convencional, cresci numa atmosfera plural, sendo bombardeado a todo instante por todas as formas de arte. Hoje, depois de mais de um quarto de século, pelo menos a metade dessa jornada foi compartilhada com a música, com a escrita, com o teatro e com o cinema. É inevitável. Eu respiro arte, eu vivo arte, eu sou assim.

Tive sonhos infantis, sonhos adolescente, e sonhos adultos, e estes passaram apenas de uma utopia para se tornarem reais. Mais que sonhos, são projetos de uma vida inteira construída, interligada e conectada com meu passado, meu presente e futuro. É minha essência. Com pouco mais de dezoito anos, tive uma experiência que mudou profundamente minha forma de encarar os obstáculos da vida. Até então, já escrevia uma carreira artística de quase meia década, quando a banda Titãs veio tocar em Boa Vista, no Iate Clube. Eu ainda era um jovem mancebo. Aguardei pacientemente em frente ao camarim para entregar a um integrante da banda o material do grupo musical que eu tocava naqueles tempos. Foram algumas horas de vigília até que a banda chegou numa van, escoltada por seguranças brutamontes, com extrema vantagem física em relação ao meu físico magricelo e vulnerável. Era assoprar que eu voaria longe, mesmo assim não pensei duas vezes e parti correndo aos berros na direção do baterista Charles Gavin, o qual me atendeu prontamente, após repreender os seguranças que já me imobilizavam achando que eu fosse alguma espécie de terrorista ou fã fanático que causaria algum mal ao músico e estrela do rock nacional.

Charles me atendeu calmamente, mesmo envolto dos holofotes das máquinas fotográficas e câmeras de TV. Tivemos uma conversa breve, não mais que poucas palavras trocadas, olho no olho. Entreguei a ele um pacote contendo camisetas da minha banda, um disco e adesivo. Ele ficou surpreso em saber que no extremo norte do Brasil havia bandas de rock, e compondo material próprio. Ele esboçou um sorriso sincero e me agradeceu. Meu coração disparou. Antes de partir para o camarim, deu dois passos a frente, eu o acompanhando, então parou, olhou no fundo dos meus olhos e me disse “eu só posso te dizer uma coisa garoto, não desista nunca dos seus sonhos”, e partiu.

Aquela frase atingiu profundamente meu inconsciente e mudou radicalmente a minha forma de encarar a vida em muitos aspectos. A partir daquele ponto, daquela experiência nunca mais tive medo de encarar os desafios da vida, principalmente os artísticos. Percebi que todos os sonhos que temos, independente de quais forem, serão inevitavelmente sonhos possíveis, basta você acreditar.

Seis anos após essa experiência, muitos sonhos infantis, adolescentes e adultos que eu jamais imaginaria alcançar até aquele ponto da minha jornada, hoje se tornaram realidade. Já lancei discos, fiz turnês, toquei com grandes ídolos meus do rock nacional, muitos deles dos anos oitenta como Dado Villa Lobos (Legião Urbana), Marcelo Nova (Camisa de Vênus), Arnaldo Antunes (Titãs), Ratos de Porão, outros da minha adolescência como Pitty, Raimundos, Pato Fu e tantas outras bandas independentes do Brasil das quais não só dividi o palco mas hoje compartilho de boas amizades.

A vida é mesmo cheia de surpresas, e não se surpreenda se na próxima esquina encontrar o amor da sua vida, a chance de fazer um grande show, encontrar um bilhete premiado ou simplesmente contemplar a beleza de um casal de idosos caminhando tranquilamente na calçada de mãos dadas confidenciando carinho e amor. Todos os sonhos que temos são sonhos possíveis, são projetos cultivados pacientemente em nosso coração que um dia verão a luz da vida, não importa se breve ou demorado. Persista sempre, tenha paciência e acredite no que seu coração diz. Hoje eu sei que tudo que já sonhei e que ainda sonho um dia, cedo ou tarde irá acontecer. Não duvide. Sua mente e seu coração guardam o segredo e seu maior poder. Sonhos são possíveis, todos possíveis.

* Victor Matheus

DIAS DE PAZ


Nos últimos dias , o universo tem nos proporcionando momentos de beleza natural única. Os dias tem amanhecido tão mansos, chuvosos, que dá vontade de abraçar o travesseiro e não largar nunca mais. Por conta disso, tudo passa a acontecer em nossa vida de forma mais lenta, mais gostosa, mais líquida e serena. A chuva tem esse poder de nos acalmar. É como um colo de mãe confortando a criança que acabou de ralar os joelhos, uma valsinha da natureza relaxando nossos sentidos, elevando nossos espíritos ao ponto de equilíbrio.

Quando chega a noite, somos presenteado por uma lua magnífica, que passeia pelo céu estrelado, as vezes nublado também, com uma aquarela singular, fruto de um fenômeno natural que acontece de tempos em tempos, ampliando seu brilho e seu tamanho, tornando o astro que já é belo, quase surreal. Temos a nítida sensação de que podemos tocar com a ponta dos dedos nosso satélite místico.

Os dias que seguem esse roteiro vem transformando nossa rotina em algo novo ou de novo. Infelizmente muitas pessoas não apreciam os tempos de chuva, por motivos óbvios, mas há muito tempo que eu mesmo não cultivo nada de ruim em relação aos fatos da vida. Prefiro extrair o que há de melhor, mesmo nos dias de tormenta. Como não contemplar a beleza das flores que nascem nos jardins esbanjando verde? Observar o beija flor se lambuzar, flutuar como uma pena ao vento entre as plantas e beijá-las como um ser apaixonado pela vida? Ou mesmo sentir a melodia das gotas de chuva caindo na calçada, repousando em nossos ouvidos uma valsa que lembra os tempos de criança e de brincadeiras com pé descalço pisando na lama... Sentir o brilho prateado da lua surreal que nos brinda nas noites mais recentes de nossas vidas... Há tanta beleza para se admirar, sentimentos e coisas boas para compartilhar também.

Ainda sim, mesmo envolto dessa beleza bucólica dos dias nublados, ainda percebo tantas pessoas amargas, que ao invés de contemplar pequenos momentos da vida, de pura dádiva natural para os nossos olhos, nos enchendo de esperança, mesmo estando rodeado de circunstâncias ruins, preferem ficar cegas ao que está diante de sua visão, e além dela... Eu lamento, lamento perceber tantos cegos para a felicidade nos pequenos detalhes da vida, mas não me canso de tentar sempre mostrar e compartilhar o que há de melhor... Insistimos em semear bons pensamentos, boas atitudes e vibrações até que nossos sentimentos germinem e se multipliquem. O futuro foi criado para nos segurar aqui, mas só depende de nós querermos o dia de amanhã. Não deixe para depois o que pode ser feito agora. Transforme, reinvente, mude a estante de lugar, cultive o amor... Crescemos e evoluímos no movimento, e na ausência dele também.

* Victor Matheus