ARTE DOS NOBRES E MARGINAIS

O universo cultural é amplo, heterogêneo e atingi todos nós incondicionalmente. O que dizer de um concerto de rock para milhões de pessoas em plena praia de Copacabana no Rio de Janeiro, terra do samba e carnaval? Alguém aí se lembra do STONES?...

... E a experiência tridimencional que as pinturas do grande mestre da arte nipônica, KATSUSHIKA HOKUSAI, o maior artista da terra do sol nascente de todos os tempos, proporcionou aos homens no auge do período Edo do Japão, transportando detalhes em suas telas que apenas séculos depois seriam perceptivos aos olhos do homem? Sua coleção TRINTE
E SEIS VISTAS DO MONTE FUJI sintetiza perfeitamente a genialidade de um artista ímpar...

... E as obras de DA VINCI? O enigmático quadro de MONALISA, hoje seu trabalho mais pop é apenas a ponta do iceberg da imensa obra desse grande artista multifacetado que deixou para a humanidade um legado ainda hoje surpreendente...

... E o cinema deliciosamente e propositalmente plagiador de QUENTIN TARANTINO, especialista em fazer filmes de filmes como nenhum outro, um gênio que escreve diálogos absurdamente hipnóticos... Alguém aí se lembra da astúcia e faro de HANS LANDA (WALTZ) para encontrar judeus utilizando apenas uma conversa “despretensiosa” aparentemente sem sentido algum?

... E o concretismo certeiro de ARNALDO ANTUNES? O que dizer de um poeta que em poucas linhas sintetiza idéias que certamente precisariam de uma longa análise textual, recheada de conteúdos científicos, prosas, réplicas, tréplicas, argumentos, etc e tal para temas tão comuns, mas ainda complexos de serem expostos pelo homem?

Quando trazemos esse universo para onde estamos, podemos pincelar alguns herdeiros que perpetuam a chama daqueles que no passado abriram as portas da percepção da consciência humana para um nível mais elevado... Em Roraima temos gênios tão grandes quantos os recordados nestas linhas, basta olharmos na história: O movimento RORAIMERA, de ELIAKIN RUFINO, ZECA PRETO E NEUBER UCHÔA em sua gênese foi marginalizado e combatido como um agente nocivo a nossa sociedade, porém, com o passar do tempo, provou ser um movimento único e genuinamente autêntico do extremo norte do Brasil. Fez sua história e abriu caminho para esta nova geração de artistas de Roraima, que muito deve a este movimento da vanguarda cultural local que militou pelo reconhecimento da arte feita acima da linha do equador.

Hoje vivenciamos em Roraima, especialmente em Boa Vista um afloramento cultural em todas as vertentes, sendo a POESIA, a caçula dessa explosão das expressões artísticas produzidas pelo homem... Se há pouco tempo atrás eventos de poesia eram raros em nossa cidade, hoje podemos ter orgasmos múltiplos e gozar do privilégio de degustarmos esta nobre e “marginal” arte semanalmente.

Os poetas ELIAKIN RUFINO e GABI AMADIO fazem uma temporada de 6 semanas na CASA DO NEUBER, com as TERÇAS POÉTICAS, evento que visa promover a poesia roraimense, com palco aberto a todos os artistas interessados e ao público que degusta este tipo de arte refinada...

Temos também mensalmente, o SARAU DO QUINTAL, evento promovido pelo COLETIVO ARTE LITERATURA CAIMBÉ, com apoio do ESPAÇO DOQUINTAL, que tal qual as TERÇAS POÉTICAS, tem como principal objetivo proporcionar ao público roraimense o contato com a POESIA e LITERATURA.

Vivemos um momento na história cultural de Roraima onde todas as vertentes florescem e dão frutos como nunca se havia visto antes, iniciado ainda nos anos oitenta com o movimento RORAIMERA... Hoje temos grandes nomes da arte roraimense como os mestres do TRIO RORAIMERA (ELIAKIN, ZECA, NEUBER), os músicos BEN CHARLES, SERGINHO BARROS, GEORGE FARIAS, os poetas RODRIGO MEBS, ZANNY ADAIRALBA, EDGAR BORGES, os talentosos cineastas ALEX PIZANO, THIAGO BRÍGLIA e CLÁUDIO LAVÔR, os artistas plásticos AMAZONER OKABA e ISAÍAS MILIANO e bandas como JAMROCK e IEKUANA.

A cultura roraimense está saindo da margem social, do desconforto do anonimato, para o seu lugar de direito e de merecimento, dentro do epicentro do foco de nossos olhos, dentro do balaio cultural de massa que tanto almejamos... Certo são os versos do poeta ELIAKIN:

O que eu não queria era ser comum
O que eu não queria era ser normal
Agora não, agora eu sou feliz  sendo plural
Agora não, agora eu sou feliz  sendo plural”

Mais Cultura, mais Roraima, mais terra dos ventos, mais arte daqui.

Victor Matheus

FELIZ É SER PLURAL

Existem momentos de nossa jornada que tal qual uma tela do genial pintor nipônico Hokusai, eterniza em nossa memória uma pintura xilográfica de momentos que nunca mais serão esquecidos. Lembro-me dos meus 16 anos, início da década dos anos 2000, quando ainda um garoto volátil, apaixonado por rock n'roll, pedi ao meu pai para ir a Casa do Poeta (Eliakin) – na “distante” cidade Santa Cecília - a fim de assistir uma banda de rock local que se apresentaria ali. Em tempo: Naquela época, Boa Vista não tinha tantas opções de entretenimento como nos dias atuais, e qualquer show, apresentação ou espetáculo, reunia no mesmo lugar todas as tribos com numa romaria cultural.

O show em questão era de uma banda até então desconhecida na época, atendida pelo nome de Mercedez Band. Um grupo de rock roraimense peculiar em sua formação, com voz, guitarra, baixo, bateria e flauta! Tempos depois, numa de minhas infinitas tardes garimpando CD's na loja de discos da cidade, encontrei uma bolacha que me chamou a atenção de imediato. “Bem Vindo Rock N'Roll”, tratava-se de um disco coletânea com participação de quatro bandas locais, entre elas LN3, Garden, Atecubanos e Mercedez Band, a banda com formação peculiar de que tanto gostei.

Tempos depois, a banda encerrou suas atividades devido a mudança de cidade de alguns integrantes, mas na minha memória, e no meu acervo, ficou aquele disco único que registrou o principio de uma nova fase que o rock roraimense passava naqueles tempos. Também ficou guardado na memória, muitos shows que acompanhei de todas aquelas bandas do disco que havia comprado, mas inegavelmente, minhas preferidas sempre foram LN3 e Mercedez. A primeira, por ter no som e na atitude de palco, o exemplo do que eu queria fazer com relação a minha carreira, e a segunda, pela experiência dos músicos, a peculiaridade do som, que anos mais tarde também me influenciariam a mudar o direcionamento em termos de composição do meu grupo de rock. O experimentalismo e a liberdade sonora da Mercedez, o vocal feminino, e suas músicas autorais com pitadas de música brasileira somado a fórmula básica do rock n'roll, sempre foram o diferencial em relação as toneladas de bandas cover e de proveta que surgiram naquela época.

Os anos se passaram, e como uma flecha do túnel do tempo penetrando vorazmente meu presente, soube que a lendária Mercedez Band estaria retornando aos palcos de Roraima para uma apresentação única no palco mais plural e sagrado da música roraimense na atualidade: A Casa do Neuber. Minha euforia foi tamanha com esta notícia que não pensei duas vezes em pedir a eles para ter a honra de fazer o show de abertura com minha banda Veludo Branco. Queria dividir o mesmo palco com um dos grupos que anos atrás me inspirou a defender minha arte, minha música, e me apontou caminhos que me trouxeram aonde estou hoje.

Tal qual era nos tempos da Casa do Poeta, uma romaria cultural se fez presente para esta noite que entraria para a história do rock roraimense. A Veludo Branco teve a honra de ser a primeira banda local a pisar no palco da Casa do Neuber, e confesso, que energia tem aquele pequeno e aconchegante espaço! Desejei, desde que a Casa abriu, estar em cima daquele palco, atingir um novo público que vai além do nosso universo comum, além de nossa tribo de camisas pretas. Sempre quis levar minha música ao maior número de pessoas possíveis, e oportunamente aquele era o lugar certo para se fazer isto. Mais gratificante ainda foi abrir a noite para um dos grupos mais emblemáticos do rock local, e nos apresentar para uma platéia seletíssima de artistas locais, jornalistas, amigos, e apreciadores da música local. Voltei 12 anos na memória enquanto estava em cima daquele palco. Não havia lugar melhor para se estar naquele momento fazendo o que mais amo da vida: Rock n'roll!

Após nosso show, foi a vez da Mercedez subir ao palco. Tantas recordações vieram à tona no meu peito. Tantas lembranças dos tempos de Casa do Poeta, do Espaço Rock do Sesc... Um filme da minha vida passou em segundos. Ver novamente Pablo Varela, Alfredo Rolins, Fatinha, Betina com participação especial de Vitor Piani, foi emocionamente e indescritível! Poder ouvir novamente canções que fizeram parte da minha adolescência, como MITIFICA de autoria da banda, DO BEM E DO MAL, parceira de Pablo Varela e George Farias, versões experimentais de sucessos do rock nacional, como a canção “Comida”dos Titãs, não só me levaram a um torpor nostálgico, mas também foi inspirador. Tal qual um bom vinho, o som deles ainda continua deliciosamente e despretensiosamente atual e cativante.

Esta noite, ainda recente na minha memória, ficará marcada para sempre, por tudo que ela representou. Subi num dos palcos que mais desejei estar nesta cidade até então, dividindo-o com uma das bandas mais legais que o rock roraimense já teve em todos os tempos, tocando para uma platéia única que só a Casa do Neuber consegue reunir. Sempre digo que os todos os sonhos são possíveis, só basta acreditar e persistir e nunca os versos da canção “Plural” do poeta Eliakin Rufino fez tanto sentido como faz pra mim ao vivenciar esta experiência: “Tentei por muito tempo ser uma pessoa singular... Ter um só caminho, ter um limite, Um só amor, um só lugar... O que eu não queria era ser comum, o que eu não queria era ser normal... Agora não, agora eu sou feliz sendo plural...” Feliz é ter sonhos e realizá-los, feliz é fazer aquilo que se ama, com quem se ama e para quem se ama... Feliz é ser plural.

* Victor Matheus

NUVENS DE ALGODÃO

Uma mente descabaçada jamais volta a ser como antes”. Esta pequena oração, repassada de mente em mente por amigos meus, estremeceu a um certo tempo meu modo de ver o mundo, simplesmente porque resume perfeitamente onde minha mente e espírito se encontram no momento, num lindo, intenso e florido orgasmo existencial.

Vivemos numa sociedade que superestima determinados aspectos dos indivíduos, valorizando quase que exclusivamente os status, e subjugando os atributos abstratos inerentes a todos os seres vivos. Em outras palavras, enaltecem mais nossas posses, nosso sobre nome, nossa profissão, do que realmente o que se tem valor de fato em nossas vidas, o que nós somos como indivíduos únicos, racionais e autosuficientes.

Veja bem, não estou aqui pregando que devemos nos abster de determinados comportamentos comuns de nossa sociedade, afinal, as conquistas devem sempre ser celebradas, do emprego dos sonhos, da casa própria, do diploma universitário, do empreendimento sonhado desde sempre... Estes méritos vem do fruto de muito trabalho, renúncia, foco e paciência, portanto, devemos sim celebrar estas conquistas, mas por outro lado, devemos aglutinar a este “modo de vida”, outros aspectos que possam modificar de fato nossa visão de mundo e de vida, aspectos estes, que se unam aos anteriores, a fim de nos tornarmos seres mais evoluídos e integrados não somente a nossa sociedade de forma mais digna, mas também com o nosso planeta, o nosso universo, vibrando em frequências mais leves de espírito, que por sua vez, sejam também tão estimadas quanto os valores atuais impostos pelos padrões de comportamento que somos praticamente obrigados a nos inserirmos para nos adaptar a vida atual nos centros urbanos.

Por fim, aonde quero chegar com estes rodeios filosóficos? Simples, tal qual os versos da canção “Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão, sem querer eles me deram as chaves que abrem essa prisão”, nossas mentes, quando se abrem para o mundo visível e invisível nunca mais retorna ao que era antes, por isso permita-se mais, experimente mais, arrisque mais... Temos certeza apenas do agora, o futuro continua sendo um bilhete premiado. Não espere pro amanhã o que pode se devorar hoje. Não sabemos o que acontecerá na próxima esquina, por isso embarque já numa nuvem de algodão, e viaje pela vida sem medo de ser feliz.

* Victor Matheus