PEIXOTO

O barulho estridente do velho relógio de corda cromado Herweg marcava exatamente cinco horas e trinta e sete minutos. A luz do sol timidamente surgia no firmamento naquela manhã de inverno, dançando com o solfejo de um canário da terra destemido repousado na janela. 

Antes de cerrar o barulho da sirene do velho relógio, Peixoto já estava de pé, vestido com camisa do time colorado de coração, jaqueta forrada com lã de ovelha, calças jeans surradas, e botas de grosso solado de madeira. 

Com a adaga de prata, herança do avô mestiço, preparou o fumo de corda enquanto a água fervia no fogão a lenha para o primeiro mate da manhã. Tirou do armário uma fôrma preenchida com pão sovado, coberta com um pano de prato bordado pela tia Nina, uma senhora quase centenária de cabelos alvos e sorriso largo, que sempre lhe visitava aos domingos depois da missa na Paróquia de Santo Amaro. 

Sentado numa confortável poltrona acolchoada com um pala, Peixoto queimou seu fumo de corda no cachimbo, enquanto bebia um mate amargo, esquentando o seu corpo ainda tenaz, que pouco acusava os duros anos de trabalho no campo. 

Ao longe, onde a vista ainda alcançava o foco, avistou um gaudério se aproximando da porteira. Peixoto passou a mão na cintura, tateando a garrucha, então ouviu de longe a voz do tiatino indagando: “Senhor Peixoto mora aqui”? Após um belo trago no fumo, com a voz rouca e viril, Peixoto respondeu: “Cavalo bom e homem valente a gente só conhece na chegada”.

Victor Matheus

TRIBUNAL DE FACEBOOK

“Que decepção, traidor, mudou de lado, corrompido, mentiroso, seu sorriso engarrafado”

Música e poesia, prosas e mais prosas movido a litros de hidroxila moldaram-me ao longo de três décadas, marcando passos firmes neste mundo... Arte, que com arte se expande, é o que me motiva.

Já fui hippie e coroinha, contraventor e poesia, fui artista na contramão, refutei ideologias. Disse não a corrupção no mercado da música dita independente, cheia de hipocrisia. É, sou mesmo a metamorfose ambulante, mas sinceramente, me poupe dessa gente calhorda, sem conteúdo e alegria.

Sobrevivi as cruzadas avessas virtuais, combati os assassinos de reputação, fiz da minha fé um escudo nestes tempos de pseudo revolução. Uma andorinha só não faz verão, mas também é ouvida se virar canção.

De tanto ser do contra, acabei virando situação. A vida tem os seus paradoxos: um dia é veneno, no outro a redenção. Quem diria, aquele garoto estranho, agora é o inimigo infiltrado na multidão?

Outro dia ouvi dizer: Olha lá o playboy... então pensei: quem é você moleque de fraldas, o perfeito burguês, sustentando pelo papai, que não paga um boleto no mês? Quer bancar o lacrador e nem sabe escrever português... Ah! Faça-me um favor, primeiro pague as suas contas, limpe as suas fraldas, vê se cresce filhote, no mundo real, engomadinho não tem vez!

Esta é a minha situação: Nadando contra a revolução, não posso mais que isso, combater o vitimismo, no tribunal de facebook, uma inversa inquisição!

Victor Matheus

MERGULHO INFINITO

Um mergulho rápido e certeiro na era balzaquiana de um homem, enxerga seus nervos conectados umbilicalmente com as energias da nova Era, mas nada desse papo bicho grilo, tipo ativista pelos direitos a ter direitos a ter defeitos ou não, um lance distante da engenharia social já ultrapassado e démodé no mundo real. 

As experiências imprimem um mosaico de retalhos fotográficos imaginários, registrados em uma conexão diferente, sutil, saudosamente oposta ao que foi um dia, calibradas em ondas quatrocentas e trinta e duas frequências mais elevadas, degustadas e ejaculadas mentalmente nas pequenas e grandes emoções e ereções, engolidas com doce, amargo, azedo, salgado, quente, frio, vivo... Quase iluminado.

Passa o balzaquiano a respirar mais lentamente, conversando internamente com o zumbido da mosca outrora ignorado, ouvindo mais, falando menos, seguindo firmemente os ensinamentos dos mestres antigos, há anos devorados aos litros de vinho e livros, absorvendo ideias e ideais solitariamente, até um start existencial despertá-lo para a sua ascensão libertadora.

Queimam-se velhos papéis, leitos de poemas imaturos, versos de um coração ainda puro, imaculado sem saber. Desapega-se do que não mais agrega, compreende que a Vida, esta ávida Vida com suas dores e sabores, é tão somente uma longa, imprevisível, edificante jornada, e sente-se feliz por reconhecer a sua dádiva de ser, apenas ser, respirar e viver aqui.

Os sonhos, sentidos, desejos e espírito balzaquiano sabem, ainda um saber bebê, que as tormentas, dias cinzas, lua cheia e girassol pertencem e existem somente dentro você. Não há nada e ninguém para mudar isso. Seu destino está escrito na sua coragem de seguir em frente. 

O balzaquiano agora sabe, e por isso vai, passo a passo, dia a dia, respiração após a outra, passando os olhos no retrovisor de si mesmo, sorrindo sozinho, sendo grato ao divino, por ter lhe dado tudo que foi pedido, com amor, tesão, até em delírio. Lá vai um homem forte, dentro de si mesmo, cicatrizes, troféus e histórias, seguindo a música, abraçando seu destino, infinito.

Victor Matheus