VAMPIRISMO CULTURAL

O cenário cultural de Boa Vista é reconhecido comumente por sua pluralidade e riqueza de artistas. Quando delimitamos esse universo à música, reconhecemos valores e grandes diamantes brutos sendo lapidados ano após ano em nossa diminuta, porém heterogênea música popular roraimense.

Na década de oitenta o movimento cultural Roraimeira estabeleceu um novo parâmetro sonoro e estético, tornando-se o maior referencial para a produção musical local das gerações que vieram a seguir. A partir da expansão da música do extremo norte através de seus embaixadores e expoentes, a nova geração da música roraimense passou a incorporar em sua música, filosofia e comportamento, as influências desse movimento, como o regionalismo literário – na poesia e letras das músicas – o swing caliente sonoro dos trópicos – através de arranjos musicais fortemente influenciados pela música caribenha – e a estética amazônica – composta de uma diversidade étnica imensa, principalmente recebendo grande influência dos povos indígenas, transformando a música produzida em Roraima num oásis singular surpreendente para ouvidos condicionados a música de massa.

A nova geração da música roraimense goza do privilégio de colher os frutos arduamente plantados e cultivados há pouco mais de trinta anos atrás pelo movimento Roraimeira, e hoje desfruta desse reconhecimento, ainda que pequeno a altura do talento daqueles que anos atrás levantaram a bandeira do orgulho amazônico, num tempo em que Roraima (ainda território federal) tinha pouca, ou nenhuma relevância no cenário cultural do nosso país.

Ao contrário do passado, quando as dificuldades geográficas e econômicas por hora isolaram a produção cultural do extremo norte, hoje há um imenso gargalho para exportarmos a música roraimense, principalmente pela internet, mas não sendo o suficiente para atingir o grande público, nem mesmo o público local, que ainda desconhece grande parte dos artistas locais por preguiça ou mesmo falta de acesso, seja nas rádios, nas tv’s ou shows.

Há em Boa Vista uma recente implantada Secretaria de Cultura, pontos de cultura, coletivos, promotores de eventos, diversas casas de shows, e uma quantidade imensa de pessoas interessadas em consumir esse tipo de conteúdo cultural, porém, o que observamos é que grande parte desses personagens/entidades/grupos/promotores responsáveis pelo fomento e apoio a música roraimense pouco realmente agem de fato para que aconteça verdadeiramente uma valorização viral dos artistas roraimenses. Salvo algumas exceções, a contar nos dedos, a maioria desses personagens preocupam-se mais em estimular seus egos, olhar para o próprio umbigo e fazer pior, castrar as oportunidades do artista roraimense de divulgar sua arte, e vai além, junta meia dúzia destes e formam verdadeiras panelinhas, que isolam, prejudicam e segregam grande parte de todos que fazem parte dessa cadeia cultural.

Infelizmente a política, no seu significado mais podre e corrupto, contamina e degrada violentamente a produção cultural, em especial a música, produzida em Roraima. Não basta ser um artista ou músico talentoso. Para sua arte ser reconhecida e valorizada do ponto de vista do poder público, é necessário que o artista corrompa valores morais básicos, e utilize de manobras ilícitas ou mesmo o famoso puxasaquismo, babaovismo, e todos os “ismos” possíveis e deploráveis que pessoas de má índole utilizam para se beneficiar do capital, apoio e fomento público que deveria ser partilhado por todos.

Enquanto o egocentrismo, disfarçado de termos como “sustentabilidade”, “economia solidária” e todo o blá blá blá que ouvimos sobre “o novo momento da cultura brasileira” continuar contaminando o pensamento livre e realmente revolucionário de nossos artistas, permaneceremos sendo vistos apenas como um  parafuso descartável dessa imensa e nobre engrenagem chamada cultura roraimense.

Os artistas de Roraima precisam urgentemente parar de se prostituir e valorizar sua arte, pois do contrário, continuarão sendo sugados e manipulados por aqueles que se dizem “fomentar a cultura de Roraima” até seu breve descarte, num claro exemplo de vampirismo cultural. Já passou da hora do músico roraimense exigir o que é seu de direito, e ter sua arte sendo divulgada, apoiada, fomentada e valorizada de forma digna, e não sendo utilizada como moeda de troca, de barganha e favor.


* Victor Matheus

O BOM DE SER PAI

Há quem diga que a vida de pai é mais martírio do que felicidade. Tolos estes que dizem que o homem livre ao se tornar pai passa a carregar um fardo pelo resto de sua vida. É tanta estupidez ouvida da boca de pessoas pobres de espírito, que até cheguei, muito brevemente, a me preocupar com os avisos, até perceber, ou melhor, reconhecer, que a felicidade incomoda, e muito, os contaminados pela inveja, pelo negativismo, pelo desejo de querer ver o mal do próximo, querer o mal do próximo.

Há também aqueles que dizem que filhos são dádivas dadas por Deus àqueles merecedores, que ao embarcar nesta jornada chamada Vida, são capacitados para receber tão logo preparados, o maior presente de todos. Prefiro pensar assim. Prefiro pensar que filhos chegam ao nosso mundo para mudar nossos passos a um novo horizonte de possibilidades, de caminhos por hora tortuosos mas prezerosos de ser percorridos, e que mesmo havendo tropeços, o sabor de bater a poeira, levantar e seguir em frente permaneça e se perpetue. Já dizia Raul “Se é de batalhas que se vive a vida, tente outra vez”.

Filhos são dádivas. Colocam homens no trilho, dão foco e objetivo a vidas antes desregradas e voláteis. Filhos nos ensinam mais do que são ensinados. Paciência, foco, trabalho, determinação, resistência física ao sono, poupança financeira, escolhas prudentes, menos perigo, menos dinheiro no bolso, menos tempo para outras coisas, menos, menos, e menos... Parece pessimismo, e pode até ser, mas, veja o outro lado da linha... Mais sorrisos, mais alegria, mais motivos para seguir em frente, mais surpresas, mais novidades, mais amor para compartilhar, mais da vida, mais de sí, mais para os outros... Muito mais do que menos, e se botar na balança, até o menos vira mais, e ainda dizem que filhos são um fardo?

O prazer de trocar fraldas, acordar de madrugada, embalar tua prole nos braços, adormecer junto dela embalado na rede, acordar e ainda estar dormindo, esquecer a roupa na máquina de lavar, o prato cheio de comida no almoço, o filme pela metade na TV, ir correndo para casa, adiantar o trabalho, deixar o chopp gelado com os amigos para depois. Tudo que queremos é estar perto de nossos filhos, de nos inebriar de seu cheiro angelical, acariciar sua pele frágil e macia, perder-se nas horas do dia embalando sua cria no colo, contemplar sua face graciosa e serena, se derreter ao vêr um sorriso brotar da face, acompanhado de um suspiro e dos pequeninos braços, pernas, tronco e cabeça relaxarem e se entregarem ao sono ren. Há algo mais sublime que compartilhar esses momentos com os filhos?

Eu não troco minha vida passada, mesmo com seus momentos célebres que renderiam um bom livro de comédia/drama/aventura pelo meu presente. Não troco o passado incerto e inseguro pelo presente que me aponta um futuro feliz ao lado do meu grande amor, e do fruto dessa relação mágica que une minha vida a de minha esposa, e nos interliga através de nossa filha. Eu não troco a incerteza de outrora em envelhecer sem perspectivas concretas. Prefiro as horas infinitas que passo decodificando cada parte do corpo de nossa cria, tentando desvendar qual parte tem meu DNA e qual parte tem o DNA da minha amada, ou se a tal parte é a mistura de nós dois. Não há como descrever o sentimento de encontrar partes físicas suas reeditadas em miniatura no corpo de sua cria, reconhecer partes de sua amada na mão, na face, nos cabelos, na personalidade, no tipo sanguíneo... É um carrossel contínuo de descobertas que nunca acaba.

O prazer de ser pai está na descoberta diária de pequenos detalhes que une sua vida, de sua amada e de sua cria, numa fonte inesgotável de felicidade, de novidades muitas vezes surpreendentes, que nos faz compreender e entender que ser pai é para poucos, para os merecedores, e por tudo isso devemos ser gratos a vida. Eu olho para o céu todos os dias, com o peito aberto, para dizer ao universo: Obrigado por ter me feito pai. 

 Victor Matheus

LUGAR AO SOL

Era pouco mais de 6 horas da manhã quando minha filha de algumas semanas despertou de seu sono “ren” reinvidicando o leite materno e a higiene íntima. Tão subitamente, apesar do sono e do cansaço, levantei-me da cama para retirá-la do berço e iniciar os serviços paternos. Ao ligar a TV num canal de notícias, o repórter anunciava: “Vocalista Chorão, da banda Charlie Brown Jr, foi encontrado morto nesta madrugada em seu apartamento.”

Como um soco de um campeão dos pesados, a notícia nocauteou minha consciência imediatamente, e misturada ao sono e a atenção na tarefa paterna, não absorvi de imediato. Poucos minutos depois, já com minha filha sorvendo calmamente o leite no seio da mãe, retornei a dormir, ainda com aquela notícia ecoando no pensamento... Tive um sonho sombrio, no qual, estava no velório do meu melhor amigo, celebrando a sua morte, ao lado dele, ainda vivo, como se estivesse comemorando os últimos minutos de vida antes de repousar no sono eterno a que todos estamos destinados um dia. Acordei mais confuso ainda e fui trabalhar, com a notícia que a pouco tinha ouvido na TV, e a sensação esquisita proporcionada pelo sonho mórbido a pouco interrompido pelo despertador.

No caminho ao trabalho comecei a refletir sobre os últimos acontecimentos daquelas poucas horas atrás... Lembrei-me de como nasceu minha relação com a banda Charlie Brown Jr, e dei-me conta que suas músicas sempre foram pano de fundo para momentos inesquecíveis da minha jornada nessa vida.

Em 1997 quando o Charlie Brown Jr estourou nas rádios do Brasil, eu tinha 11 anos e só curtia bandas como ACDC, Black Sabbath e Guns N' Roses, mas o som da banda de Santos acertou em cheio a mente do muleque aqui. Gravei muitas fitas K7 com música deles que pedia nas rádios. Aos 14 anos tive meu primeiro emprego, e ao receber meu primeiro salário (R$ 80,00) fui correndo de bicicleta a uma loja de CD'S da cidade e gastei todo o meu dinheiro comprando 3 disco de rock nacional, e um deles era o “Transpiração contínua prolongada” da banda Charlie Brown Jr.

O CBJr, junto com Raimundos e Legião me fizeram gostar de rock brazuca e ter orgulho de fazer rock em português. Por causa deles eu comprei um skate, ganhei cicatrizes no joelho, sem contar os covers que fiz do CBJr quando aos 15 anos formei minha primeira banda - Papa Velhas - nas matinês do Cob e na quadra da ETFRR. Aprendi a tocar guitarra tirando o som dos malucos de Santos. Eu tocava o disco inteiro na íntegra, e ainda tenho hoje as revistas de cifras que comprava nas bancas de jornal para tocar as músicas.

Cresci ouvindo a banda, comprando os discos, tocando as músicas, reprovando atitudes do vocalista quando socou a cara do Marcelo Camelo da banda Los Hermanos... Deveria ter chutado a bunda do cara, seria mais cavalheiro... Fiquei puto da vida quando ele teve uma atitude Axl Rose de tirar todos da banda e botar uma nova formação... Chamei de cuzão e mané e me “divorciei” da banda. Quando o grupo voltou a formação original e assisti esse ano pela TV o show deles no Planeta Atlantida, fizemos as pazes, e vi que a banda continuava afiada e dando aula de como se fazer rock sem ficar preso a rótulos e modismo. Percebi que mesmo eu estando perto dos 30 anos, a música que eles fizeram há 15 anos atrás continua atual e pulsante, ainda me fazendo sentir o mesmo que sentia quando era um muleque fã de skate, de rock, e revoltado com a vida dos homens grandes.

Não importa a causa da morte ou o sensacionalismo babaca da midia, mas sim o legado que esse cara e sua banda deixaram pro rock brasileiro. Morreu o garoto skatista que chorava por não saber dar um rolê, que só queria fazer um som com os malucos de Santos, e nasceu a lenda. Há 13 anos carrego comigo os discos da banda e mesmo detonado pelo tempo ainda continuará num lugar especial na minha estante de discos. Morreu o Alexandre Magno Abrão. Nasceu a lenda Chorão. Ele sempre soube que teria o seu lugar ao sol e ainda hoje o refrão da última faixa do primeiro disco de rock que comprei com meu dinheiro resume o que ele sempre quis da vida: "Deixa estar, que eu... Que eu sigo em frente." Ele continuará seguindo sua jornada, agora em outro plano, e eu nunca deixarei de levá-lo comigo. Vai na paz Alexandre Magno, vai na fé Chorão, Tcharolladrão. Você sempre teve razão, “Um homem quando está em paz não quer guerra com ninguém”.

* Victor Matheus

VIDA DI PAI

Hoje é dia de celebrar a vida. Dia de celebrar a melhor composição que já escrevi. Hoje comemoro o primeiro mês de nascimento da minha filha Alessa Valentina, e estranhamente é a primeira vez que escrevo sobre o carrossel incrível que embarquei há algumas semanas atrás, e enfim, compreendi definitivamente o significado de todos os conselhos diários que recebi dos meus pais ao longo dos meus vinte e já tantos anos... É, chegou a minha hora, o momento que mais desejei por toda a minha vida: Enfim sou pai.

Por muito tempo, desde a descoberta da vinda da nossa Manga Rosa, acreditei que pouco da minha vida mudaria com a chegada de uma nova vida ao meu convívio... Que ilusão! Ou seria melhor dizer que tentei me enganar, mas saberia que tudo mudaria afinal e jamais voltaria a ser como antes... Já havia me acostumado com a vida de casado, deliciosa e surpreendente da qual só mudou meu caminho para melhor, mas agora, com a chegada de nosso presente divino, tudo, absolutamente tudo em minha vida mudou de sentido. Acontece o mesmo com a sua vida? Então você se depara com muralhas quase impossíveis de serem vencidas, por imaturidade mesmo, ou talvez por receio... Responsabilidade? Infinita. Ansiedade? Diária. Medo? Porque não? Felicidade? Plena. Sinto-me assim, num caldeirão de emoções intercaladas sem deixar aviso prévio... Quando você pisca tudo está flutuando a sua frente, e você precisa agarrar essas partículas, antes que o tempo passe e você se perca no caminho.

Faz sentido todos os ditados populares, fazem sentido todos os conselhos, dos tios, dos amigos, do vizinho, dos pais, dos avôs... Faz sentido tudo! Só quem é pai ou mãe entende o que é ver sua vida transformar volatilmente quando em teus braços está um pequeno ser que depende totalmente de você... E lá se vão noites e mais noites em claro, a mesma melodia diariamente de comunicação do bebê com os pais, o temível, quase insuportável e angustiante choro de fome, choro de cólica, choro de manha, choro de sono, choro de saudade, e por que não o choro de desespero dos pais que não sabem mais o que fazer para calar a sensível boca do seu filho que está aos berros em plena quatro horas da madrugada tentando lhe falar algo? Aprende-se a ter mais paciência ainda, a ter mais humildade em reconhecer seus limites, a ter mais a aprender do que ensinar nesse começo de história... Que loucura a vida de pai!

Hoje nossa Manga Rosa completa o primeiro mês de vida, e percebi que não há mais cabimento em minha vida seguir sem a presença dela e de minha esposa Paula ao meu lado... É como se ao me olhar no espelho, vendo aquela face cansada, abatida pelas noites mal dormidas, enxergasse perfeitamente no fundo dos olhos a essência do que me tornei hoje... Descobri há pouco tempo que vim ao mundo com a dádiva dada por Deus não para ser um bom escritor, um bom músico, um bom professor, um bom filho, um bom esposo... Talvez eu seja mesmo tudo isso e não enxergue por agora, mas uma certeza latente está definitivamente enraizada no meu peito: Eu nasci pra ser pai. Eu nasci pra prover e para amar incondicionalmente um ser para todo o sempre. Minha filha me mostrou o caminho. Obrigado Vida.

* Victor Matheus