O
genial artista multifuncional André Abujamra escreveu certa vez que “o mundo de
dentro da gente é maior que o mundo de fora da gente”. Quando fui apresentado
ao universo abstrato da arte de Abujamra por um grande amigo meu, o poeta
Rodrigo Mebs, a partida para uma revolução de conceitos na minha vida passou acontecer de forma
vulcânica. Pouco tempo depois de mergulhar no universo tropicalista marginal da
música brasileira e ainda por incentivo e influência etílica de meu comparsa
artístico Rodrigo Mebs, resolvi quebrar mais alguns paradigmas pessoais e
embarcar em novas estradas, agora no mundo literário.
Relutante,
escrevi versos confidentes pela primeira vez num concurso literário, o
Compoesi, e para minha surpresa, na primeira participação como escritor um dos
meus versos foi classificado. Repetindo a parceria do ano passado que nos deu
vários prêmios no mesmo concurso, Rodrigo Mebs e eu defendemos os meus versos e
para nossa felicidade fomos contemplados com o prêmio de segundo lugar no
concurso. Foi apenas o segundo prêmio que conquistei em toda minha jornada
nessa vida, (o outro foi na primeira infância, ainda em Porto Alegre, num
concurso de beleza na pré escola que estudei até os quatro anos).
Descobri
então um lado meu que por muito tempo reneguei inconscientemente, por medo de
me expor, ou talvez por insegurança mesmo, afinal compartilho amizades com
grandes artistas locais e gênios de diversos seguimentos, como a música, teatro
e literatura o que as vezes me assusta um pouco mas inspira igualmente. No
campo da escrita ainda me sinto um principiante, e foi preciso literalmente um
empurrão no abismo pelo meu amigo Rodrigo Mebs para eu perder o medo de
arriscar. O fruto de uma amizade de quase uma década foi um novo projeto, onde
reunimos nosso amor pela arte em geral, misturando audiovisual, literatura,
teatro e música. Assim nasceu o projeto “Se Nero Tivesse um Zippo”, hoje um
espetáculo que ensaiamos e ainda conta
com a poeta e cantora Adília Quintelas para em breve nos apresentarmos Brasil a
fora.
Do
outro lado da avenida, vivencio dias de sol radiante e borboletas habitando meu
interior. Paralelamente a todo esse mergulho intenso de entrega a arte em todas
as suas formas, a paternidade provocou uma nova revolução pessoal em mim. Ainda
estou absorvendo tudo que está se modificando ao meu redor em todos os
sentidos. A vida de casado é algo que sempre almejei e hoje se materializou. É
maravilhoso compartilhar sua vida com outra pessoa que te completa e sonha os
mesmos sonhos que os seus. Encontrei meu porto seguro, e antes que pudesse me
planejar para um novo passo, recebi a dádiva de ser pai. Meus instintos mais
primitivos agora dominam minhas ações, planos e sonhos. Ainda continuo intenso,
explosivo, apaixonado pelo meu trabalho e pela arte que crio e compartilho, mas
agora uma nova face surge, um outro lado meu que não concebia até então nos
meus pensamentos, simplesmente por achar que demoraria a explorar esse espaço
sideral incrível da vida de pai.
Por
esses dias, tive o primeiro encontro físico com meu filho (a), que ainda é
protegido no caloroso ventre de sua mamãe. Acompanhar a segunda ultrassom e
vê-lo pela primeira vez ao vivo na tela de tv me nocauteou. Fiquei sem
palavras, sem ação, sem ar, com um nó na garganta de tanta felicidade ao
vivenciar aquele momento ao lado do meu grande amor. Ver aquele pequenino ser,
de pouco mais que uma centena de gramas e poucos centímetros, ainda
translúcido, mas com todas as partes de sua matéria já definidas, inclusive um
coração forte com sede de vida batendo freneticamente em seu ainda frágil
peito, trouxe a minha memória mil lembranças. No momento de total sinestesia,
simplesmente veio ao pensamento novamente aquela frase estranha que citei no
início dessas confidências, e finalmente compreendi a essência daquela oração.
Ver nosso neném se mexendo, mesmo que ainda movimentos involuntários de
extensão e flexão de membros, em um ritmo continuo, como que embalado por uma
canção doce, naquela piscina aquecida de amor e proteção incondicional de sua
mamãe, fraquejou minhas pernas, orvalhou meus olhos e me deixou mais próximo de
Deus. Ainda que não consiga encontrar palavras suficientes, é nessa melodia que
sigo meus dias e descrevo minhas vivências.
Precisei
de vinte e seis anos para encontrar o sentido da vida em sua plenitude, o
caminho da felicidade. Precisei de muito tempo, e principalmente olhar para o
passado para compreender o que me tornei hoje. Precisei de tropeços, vitórias,
experiências e lições as vezes dolorosas da vida para dar valor a cada detalhe,
a cada suspiro, a cada batida de coração e compreender que temos apenas uma
chance certa de sermos felizes, porque a vida acontece agora e isso ainda não
se pode mudar. O espaço sideral é infinito e atraente, o mundo abstrato mais
ainda, mas ao ver pela primeira vez o universo de dentro da gente, onde habita
uma nova vida que logo pisará nesse mundo, compreendi que não há nada mais
sublime que poder dar ao mundo e receber dele amor. Esse ainda é o segredo da felicidade,
afinal “a vida é life”, não é mesmo?
*Victor Matheus