PASSO A PASSO, TEMPO AO TEMPO

O mundo anda tão complicado mesmo ou somos nós que não percebemos que a vida pode ser mais simples de ser devorada? Que na ansiedade de abraçá-la, começamos nossa jornada apressadamente, mas no fim do caminho degustamos cada passo de uma vez, demoradamente, subliminarmente, tranqüilamente, contemplando cada segundo de nossa existência até a partida definitiva desse mundo.

Nossa jornada é como lenha. Pare e pense na filosofia anti didática desse que vos escreve: Quando nascemos, temos uma urgência descomunal em devorar o mundo; Pequeninos, usamos o tato, o olfato, e principalmente o paladar para conhecer o mundo lá fora; É fato, criança que não come areia, pedra, morde a barra da saia da vó não é saudável... Criança que não corre descalço na rua, não fura o pé, não arranca o dente com linha de costura, não dança lambada, música da Xuxa, da Angélica, da Mara Maravilha, gosta de Smurfs, Caverna do Dragão, não é saudável... Opa! As crianças dos meus tempos...Isso ainda acontece hoje em dia? E temos pressa...muita pressa... Na ânsia de abraçar a vida, não temos controle nos passos. É um corre pra cá, um corre pra lá, guri pulando, guri tropeçando, guri caindo e se levantando, guri dando risada da própria travessura... Quando começamos nossa caminhada nesse mundo nossos passos são rápidos, corridas infindáveis por sede de conhecimento.

O tempo passa, e nosso corpo vai amadurecendo, então depois de correr, pular, tropeçar, conhecer o mundo lá fora, suas cores, sabores, sons e formas, a urgência dá lugar a um estado mental e físico que chamo de “entendimento de propósito”. Geralmente nesse período da vida os conflitos emocionais dominam nossos dias. Descobrimos o lado de dentro, e um novo universo é apresentado: O mundo das emoções. A urgência agora acontece no lado de dentro da gente, em amar, em sonhar, em querer o mundo todo dentro da gente agora mesmo! Estabelecemos nossas primeiras relações, e deixamos de lado a parte mais gostosa do tempo. A infância agora habita nossa memória. Seguimos em frente porque só temos esse lugar para onde ir. A maioria de nós sobrevive a esse período. Alguns com cicatrizes de espinhas no rosto, outros que não aceitam a chegada dos tempos de gente grande, os eternos peter pans, mas num tudo, sobrevivemos.

Então, depois dos tropeços, da pressa em abraçar o mundo lá fora, de entender o universo interior, separar Deus, pai e mãe, Buda, Universo, água, vinho, amor, e ódio, e outras coisas, começamos uma etapa que molda por definitivo quem seremos daquele ponto em diante. Gosto de chamar esse período de “Assepsia Emocional”. Selecionados nesse período de nossa jornada só o que deve permanecer de bom em nosso mundo. Não ligamos mais para coisas por menores. Contas a pagar ainda nos atormentam mas começamos a contemplar a vida de forma mais serena, mais harmoniosa. Aceitamos nossos defeitos e evoluímos inconscientemente, involuntariamente. É como se uma chave virasse dentro de nossa alma e nos mostra-se que não precisamos mais remar contra a maré. Que melhor mesmo é deixar a onda nos levar, e que o tempo nos guiará até o melhor porto. 

E no fim de nossa jornada, depois das corridas, tropeços, da busca e entendimento do nosso propósito dentro do universo, da assepsia emocional, finalmente chegamos a parte mais interessante e sublime de nossa caminhada. Os passos agora são demorados, os olhos correm devagar nas aquarelas do dia, temos mais tempo para tudo, e principalmente tempo para nós mesmo. Olhamos com carinho para o que ficou guardado no livro da saudade. Chega a vez do ciclo mais incrível, que alguns têm a dádiva de vivenciá-lo, o qual chamo de “passo a passo, tempo ao tempo”. Nesse período a vida passa a ter um sabor especial. É como se voltássemos ao início de tudo, mas com sabedoria... É o ciclo do fim de nossa jornada nesse mundo, e quem sabe o primeiro de um nova jornada que chegará em breve. Acredite.

* Victor Matheus