SER HUMANO

Tenho asco ao racismo. Tenho extrema hojeriza quanto a comentários homofóbicos. Sou assumidamente contra qualquer tipo de preconceito ou opressão de qualquer pessoa para qualquer pessoa sobre qualquer circunstância. É inadmissível que nos dias de hoje, com toda a informação disponível, que ainda presenciemos atitudes de pessoas pobres de espírito e de amor ao próximo, expressando em redes sociais, em conversas de mesa de bar, ou mesmo na fila do banco comentários e opiniões preconceituosas contra religiosos, ateus, homossexuais, a cor da pele do vizinho, o grau de escolaridade de alguém, a forma física, o penteado do cabelo, a tatuagem exposta no braço, o time de futebol, etc, etc, etc...

Veja bem, não estou aqui levantando uma bandeira de movimento social de luta contra opressão, contra preconceito, contra homofobia, xenofobia, ou outras “bias” que ouvimos por ai. Minha indignação é mesmo contra a alienação de grande parte das pessoas ditas “evoluídas”, “civilizadas”, “educadas” e “cordiais” que na grande maioria, talvez inconscientemente, ou mesmo por vontade própria, sempre que tem oportunidade, se esbaldam em tirar sarro dos demais, achando que piadinhas engraçadas quanto as curvas da pessoa X, ou o a cord a pele do cidadão Y, ou a preferência sexual do fulano Z, ou mesmo a escolha do time do beltrano H são inferiores as suas e merecem ser ridicularizadas. Esse tipo de lance de “tirar onda” com o próximo, fazendo piada com os “defeitos” e “preferências” do outro realmente é muito baixo astral.

Certo dia, estava eu num papo filosófico com minha filha de apenas três meses... Falava para ela de como sua beleza imaculada de um bebê impressiona por demais as pessoas... Entre um comentário meu e outro, suas perninhas flexionavam e extendiam freneticamente, e balbúcios monossilábicos eram emitidos por Ela em resposta as minhas indagações, até que num momento sublime, após afirmar à Ela que realmente a Manga Rosa era linda e todos admiravam sua beleza, as bochechas enormes, o sorriso largo, sonoro e fácil vertendo de sua face, os olhos estalados como jabuticabas maduras, sua pele alva macia e aveludada, e seus ainda tímidos fios de cabelo e sombrancelha brilhantes a luz do sol na cor dourada e ruiva, Ela prontamente respondeu para mim: “Bu...Bah... Arg! Ná... Blé! Urgh! Smack! bá..bé.... nhá! Aummm, nhé”... Fitei seus olhos de jabuticaba e sua mensagem atingiu diretamente meu coração... Sua resposta, traduzida pelo meu coração foi esta: “Papaizinho, não sou branquinha, não sou loirinha, não sou ruivinha, não sou gorduchinha, não sou lindinha... Sou uma bebezinha, sou um ser humano e ponto!”. Aquilo bateu tão forte em mim que fiquei inebriado por um breve momento em reflexão sobre aquelas “palavras” e a “constatação” da minha pequena Valentina...

No dia seguinte busquei na memória aquele diálogo que tivera na noite passada com a pequena Manga Rosa, então tudo ficou claro no meu coração... Ela é que está certa ao se desprender de todos esses valores, rótulos e adjetivos pré estabelecidos por nossa sociedade controladora e manipuladora. Porque me achar branco ou negro? Porque me achar bonito ou feio? Porque me achar melhor por ter fé em Deus e o outro não? Porque me achar superior por ter um diploma universitário e o lavador de carros não ter? Porque me achar evoluído mentalmente e uma pequena bebezinha de três meses não? Porque ela não “fala” nossa língua? Porque Ela ainda não lê estas linhas que escrevo agora?

Quando nós, na ignorância de acharmos que sabemos algo da vida porque somos adultos, acabamos por ficarmos cegos ao óbvio e que está diante de nossos olhos: Somos todos iguais. Somos seres humanos, diferentes em detalhes, nas na essência iguais, e só compreendi com clareza essa lição da vida graças a minha pequena filha Valentina, que estando nesse mundo há apenas três meses já me ensina mais do que eu a Ela e por isso a partir de hoje aboli todos os adjetivos. Não sou mais branco, não sou mais magro, não sou mais brasileiro, não sou mais nada... Nem melhor, nem pior que ninguém, apenas sou, sou Ser Humano, e se me pedirem numa ficha de inscrição para um concurso a cor da minha pele, meu estado civil, meu grau de escolaridade e outras mil perguntas, responderei apenas o mesmo: Sou Ser Humano, Ser Humano, Ser Humano., afinal, porque temos que sempre complicar as coisas na vida se o simples e universal sempre é mais cômodo e nos faz feliz verdadeiramente?

* Victor Matheus