QUANDO O CARNAVAL CHEGAR


Quem me vê sempre parado, distante garante que eu não sei sambar... Tô me guardando pra quando o carnaval chegar.” Quando penso nas palavras do velho Chico, me pego a imaginar qual os sabores que minha alma degustaria nos carnavais daqueles tempos dos livros, da poesia cantada, dos confetes, dos arraiais na avenida, das marchinhas, onde a alegria quase inocente ganhava os corações das pessoas... É bem verdade que foi nessa época, mais precisamente nos fim dos tempos das relações intensas, vividas no corpo a corpo, sem meios abstratos como celulares, internet e a fins, que minha gênesis foi concebida, talvez isso explique essa alma tão sedenta de boemia, tão viciada em saudade e naftalina, tão assim, com cheiro de casa de vó.

O carnaval dos 2012 chega com algo diferente no meu mundo. Pela primeira vez, não sinto mais a necessidade de usar minha testosterona de forma industrial. Não que bundas, peitos e devassidão não me atraiam mais, só que resolvi por meu barco pra ir contra essa maré... Porque não caminhar ao contrário? Em vez da buscar pelas sensações superficiais, porque não aproveitar esses dias de gozo de tempo livre para uma conversa franca com teu lado de dentro do peito? O que me faz querer isso? Estar nesse lado da corrente é perceber que mais perdemos do que ganhamos nesses tempos... Perdemos amizades nas curvas das ruas da vida, perdemos tempo com futilidade, perdemos pedaços do fígado pelos excessos etílicos, perdemos a cabeça e nos atiramos na perversão.. porque o carnaval é isso, no fundo, uma aventura atrás do prazer carnal.

Ah! mas há o outro lado também... Nesses tempos de carnaval muitos ganham novos amores, algumas dores de cotovelo, boas historias para contar aos netos, e os mais sortudos, ganham um presente divino... isso mesmo! Filhos!! Quantos de nós, nascidos de novembro a dezembro não paramos para pensar que fomos feito numa noite de muita bebedeira, terminada numa boa transa sem meia culpa, provavelmente no banco de um carro, no muro da rua, ou mesmo dentro de alguma banheira de quarto de motel? Dá um certo orgulho travesso fazer parte dessa classe de gente abençoada pelas mãos “divinas” da sacanagem mundana.

Quando o carnaval chegar, farei tudo que o velho Chico canta: Vão me ver parado, achando que não sei sambar, eu ficarei vendo, sentindo, ouvindo, mas não vou poder falar, enlouquecer em pernas de louça de moça que passa e não posso pegar, desejar aquele beijo molhado com gosto de maracujá, não dar a mínima pra quem me ofende, pisa, me humilha pensando que vou aturar, sem a mínima vontade de revidar pra vida se por ventura ela resolver me bater, e verei a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar porque eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, que eu preciso gritar... Enquanto a multidão se acaba na superfície da vida nesses dias de festa que estão chegando, eu vou ficar com o colo aconchegante da solidão, me lambuzando com bons vinhos, me dividindo com papel, caneta, quem sabe algumas coxas, quando o sol nascer... Farei tudo do avesso dessa vez, sem nenhuma pressa, sem nenhum foco ou acordo com o futuro. Vamos viver essa decadence avec elegance, até o carnaval acabar. Vamos viver essa jornada, sem medo de tropeços. Vamos viver, acima de tudo, viver...e viver! Vamos beber a felicidade, celebrar a vida, ver a banda passar... eu tô me guardando pra quando o carnaval chegar.

* Victor Matheus