NOSSO LAR

Tenho vivido um carrossel de emoções. Muitos sentimentos liquidificados no meu peito ao mesmo tempo. Acredito que se fosse mais avançado na vida talvez não suportaria tantas emoções me nocauteando simultaneamente. Estou realmente feliz e em paz com a vida. Há motivos transbordando para tal alegria, afinal, chego a melhor fase de minha ainda breve jornada nesse mundo celebrando muito e lamentando por quase, eu diria até, por nada que fiz. Não carrego no peito qualquer sentimento alheio que possa nublar meu coração ou daqueles que amo, e principalmente, não carrego comigo qualquer sentimento que possa me afastar do que amo, do que sonho, do que desejo e do que quero construir no meu tempo de vida nesse planeta.

Quando olho para atrás, há precisamente vinte e dois anos, percebo como é magnífico o lugar que me encontro hoje. Cheguei a esta cidade, Boa Vista – RR, com meus pais quando tinha apenas quatro anos de idade. Muito diferente do que é hoje, nossa cidade era uma terra hostil e para imigrantes do sul, praticamente outro planeta. Pura ignorância nossa, admito. Não havia energia elétrica 24h por dia, muito menos água. Voos de avião eram escassos. Estradas sem asfalto. Ir a Venezuela ou Guyana era uma verdadeira aventura cheia de imprevistos mas ainda sim divertida. Gostava de tomar banho de chafariz no lago dos americanos no Parque Anauá, ou ir aos domingos com a família na praia da polar ou do ainda distante Cauamé. A cidade tinha pouca infra estrutura em todos os campos, a universidade federal recém criada e os luxos, ainda que poucos que gozamos hoje no campo gastronômico, de entretenimento e profissional eram escassos, praticamente inexistentes. Mesmo assim persistimos em plantar nossas sementes aqui, e com muito trabalho, persistência, perseverança e paciência construímos uma nova vida partindo do ponto zero, um recomeço. Hoje gozamos de prosperidade, ainda que nos falte muito para os anseios de qualquer ser humano, mas não há do que reclamar. Temos o suficiente para vivermos bem e ainda nos dar ao luxo de poder sempre que podemos realizar nosso sonhos materiais, pois os pessoais tenho certeza que já conquistamos.

Aqui, neste lugar que não escolhi para morar mas sim me escolheu, aprendi ao longo desses vinte e dois anos a amar e defender como uma leoa protege seus filhotes. Aprendi tudo da vida que sei hoje. Aqui nessa cidade de vista linda e gente acolhedora tive meus amores e dissabores. Aqui nesse ponto no extremo norte do Brasil cresci e vi tudo ao meu redor mudar, evoluir e se ampliar para melhor, mesmo com problemas, mas ainda sim para melhor. Sou mesmo uma pessoa otimista, mas não fecho os olhos para nossas mazelas. Ainda há muito o que melhorar em nossa cidade, em nossa terra, em nosso estado, mas ora! Adianta só reclamar? A mudança deve partir de nós mesmos não é? Aqui eu também aprendi que temos que mudar primeiro  o mundo da gente, ao nosso redor, pelo menos num raio de alguns metros para então podermos dar o passo seguinte, com paciência e esforço. Se o que sou hoje é bom ou não, eu agradeço a esse lugar que me acolheu, a educação que meus pais me deram, a vida por ter me dado a chance de estar aonde estou e com quem desejo estar.

Boa Vista comemora 122 anos, e desses anos, 22 anos acolheu um filho que hoje a ama tanto quanto sua terra natal, por tudo que ela proporcionou. Há mais para se comemorar do que para reclamar, e a esperança, a chama da compaixão e do desejo de dias melhores continuam a aquecer o coração desse que vos escreve estas poucas palavras sinceras. Hoje escrevo um novo capítulo da minha vida nesse lugar. Aqui já fui criança, adolescente, e hoje adulto e um pai de uma família que nasce nesse lugar. Aqui cheguei como anônimo, e hoje escrevo meu nome na história desse lugar, seja escrevendo, seja tocando, seja ajudando meu próximo, seja contribuindo de alguma forma para fazer desse lugar melhor do que foi quando pisei pela primeira vez. Aqui é o nosso lar, um bom lar para prosperar, mas depende de cada um de nós, como pessoas, cidadãos, cuidar, protegê-lo como um filho. Eu tenho orgulho de ser parte dessa história e aqui minhas sementes hoje florescem.

* Victor Matheus