Existem momentos de nossa jornada que tal qual uma tela
do genial pintor nipônico Hokusai, eterniza em nossa memória uma
pintura xilográfica de momentos que nunca mais serão esquecidos.
Lembro-me dos meus 16 anos, início da década dos anos 2000, quando
ainda um garoto volátil, apaixonado por rock n'roll, pedi ao meu pai
para ir a Casa do Poeta (Eliakin) – na “distante” cidade Santa
Cecília - a fim de assistir uma banda de rock local que se
apresentaria ali. Em tempo: Naquela época, Boa Vista não tinha
tantas opções de entretenimento como nos dias atuais, e qualquer
show, apresentação ou espetáculo, reunia no mesmo lugar todas as
tribos com numa romaria cultural.
O show em questão era de uma banda até então
desconhecida na época, atendida pelo nome de Mercedez Band. Um grupo
de rock roraimense peculiar em sua formação, com voz, guitarra,
baixo, bateria e flauta! Tempos depois, numa de minhas infinitas
tardes garimpando CD's na loja de discos da cidade, encontrei uma
bolacha que me chamou a atenção de imediato. “Bem Vindo Rock
N'Roll”, tratava-se de um disco coletânea com participação de
quatro bandas locais, entre elas LN3, Garden, Atecubanos e Mercedez
Band, a banda com formação peculiar de que tanto gostei.
Tempos depois, a banda encerrou suas atividades devido a
mudança de cidade de alguns integrantes, mas na minha memória, e no
meu acervo, ficou aquele disco único que registrou o principio de
uma nova fase que o rock roraimense passava naqueles tempos. Também
ficou guardado na memória, muitos shows que acompanhei de todas
aquelas bandas do disco que havia comprado, mas inegavelmente, minhas
preferidas sempre foram LN3 e Mercedez. A primeira, por ter no som e
na atitude de palco, o exemplo do que eu queria fazer com relação a
minha carreira, e a segunda, pela experiência dos músicos, a
peculiaridade do som, que anos mais tarde também me influenciariam a
mudar o direcionamento em termos de composição do meu grupo de
rock. O experimentalismo e a liberdade sonora da Mercedez, o vocal
feminino, e suas músicas autorais com pitadas de música brasileira
somado a fórmula básica do rock n'roll, sempre foram o diferencial
em relação as toneladas de bandas cover e de proveta que surgiram
naquela época.
Os anos se passaram, e como uma flecha do túnel do
tempo penetrando vorazmente meu presente, soube que a lendária
Mercedez Band estaria retornando aos palcos de Roraima para uma
apresentação única no palco mais plural e sagrado da música
roraimense na atualidade: A Casa do Neuber. Minha euforia foi tamanha
com esta notícia que não pensei duas vezes em pedir a eles para ter
a honra de fazer o show de abertura com minha banda Veludo Branco.
Queria dividir o mesmo palco com um dos grupos que anos atrás me
inspirou a defender minha arte, minha música, e me apontou caminhos
que me trouxeram aonde estou hoje.
Tal qual era nos tempos da Casa do Poeta, uma romaria
cultural se fez presente para esta noite que entraria para a história
do rock roraimense. A Veludo Branco teve a honra de ser a primeira
banda local a pisar no palco da Casa do Neuber, e confesso, que
energia tem aquele pequeno e aconchegante espaço! Desejei, desde que
a Casa abriu, estar em cima daquele palco, atingir um novo público
que vai além do nosso universo comum, além de nossa tribo de
camisas pretas. Sempre quis levar minha música ao maior número de
pessoas possíveis, e oportunamente aquele era o lugar certo para se
fazer isto. Mais gratificante ainda foi abrir a noite para um dos
grupos mais emblemáticos do rock local, e nos apresentar para uma
platéia seletíssima de artistas locais, jornalistas, amigos, e
apreciadores da música local. Voltei 12 anos na memória enquanto
estava em cima daquele palco. Não havia lugar melhor para se estar
naquele momento fazendo o que mais amo da vida: Rock n'roll!
Após nosso show, foi a vez da Mercedez subir ao palco.
Tantas recordações vieram à tona no meu peito. Tantas lembranças
dos tempos de Casa do Poeta, do Espaço Rock do Sesc... Um filme da
minha vida passou em segundos. Ver novamente Pablo Varela, Alfredo
Rolins, Fatinha, Betina com participação especial de Vitor Piani,
foi emocionamente e indescritível! Poder ouvir novamente canções
que fizeram parte da minha adolescência, como MITIFICA de autoria da
banda, DO BEM E DO MAL, parceira de Pablo Varela e George Farias,
versões experimentais de sucessos do rock nacional, como a canção
“Comida”dos Titãs, não só me levaram a um torpor nostálgico,
mas também foi inspirador. Tal qual um bom vinho, o som deles ainda
continua deliciosamente e despretensiosamente atual e cativante.
Esta noite, ainda recente na minha memória, ficará
marcada para sempre, por tudo que ela representou. Subi num dos
palcos que mais desejei estar nesta cidade até então, dividindo-o
com uma das bandas mais legais que o rock roraimense já teve em
todos os tempos, tocando para uma platéia única que só a Casa do
Neuber consegue reunir. Sempre digo que os todos os sonhos são
possíveis, só basta acreditar e persistir e nunca os versos da
canção “Plural” do poeta Eliakin Rufino fez tanto sentido como
faz pra mim ao vivenciar esta experiência: “Tentei
por muito tempo ser uma pessoa singular... Ter um só caminho, ter um
limite, Um só amor, um só lugar... O que eu não queria era ser
comum, o que eu não queria era ser normal... Agora não, agora eu
sou feliz sendo plural...”
Feliz é ter sonhos e realizá-los, feliz é fazer aquilo que se ama,
com quem se ama e para quem se ama... Feliz é ser plural.
* Victor Matheus