CHEGA DE SAUDADE

Tem dias que acordo com gosto amargo na boca. Dias assim eu prefiro me encolher no casulo, observar o vento beijar as grandes árvores da cidade, abraçar o cachorro de estimação e olhar bem no fundo dos olhos dele, acreditando que ele vai me entender, e eu sei que vai entender meus olhos... Ouvir as pessoas estranhas resmungando na fila do banco e apenas esperar o tempo passar. Dias assim na minha existência, são como retiros físicos e espirituais para curar feridas, apesar de não haver nenhuma delas no meu peito.

Paro a pensar o que leva as pessoas a se retraírem? Seria por medo? Por angústia? Problemas pessoais? Financeiros? Ou apenas saudade? No meu caso, eu sei que é saudade. Saudade daquelas de apertar o coração, de pegar a foto e se perder no tempo gravando cada detalhe na memória para nunca mais esquecer, como um mapa do tesouro, mas diferente, real, humano, cheio de curvas, que despertam os desejos mais intensos. Dá vontade de pegar o telefone, escrever mensagem... E depois apagar tudo e repetir. De pensar duas, três, várias vezes em ligar só para ouvir a voz... Mas seria estranho, bem estranho. De adormecer e sonhar um sonho bom, tão intenso e real que ao despertar, achamos que tudo ficou do avesso... E acaba ficando mesmo. De onde vem toda essa necessidade de sentir apego por outro alguém tão longe e necessário em nossa vida?

Então costuro os retalhos de lembrança, busco lá no fundo, na última porta do coração, trancada com todas as chaves de segredos, os motivos desse aperto inesperado no peito... Aí fecho os olhos, Abraço o silêncio e a verdade se revela dentro de mim... O coração dispara, como que tentando contar aos meus ouvidos porque me sinto assim, porque sonho assim, porque estou assim... Mas eu nego... Rejeito... Não quero! Porque se entregar a incerteza, de se jogar no abismo, sem saber se vale a pena? Mesmo o sonho real, o gosto do beijo, o cheiro no ar, o som do sorriso ainda ecoando na memória para me dar certeza que vale a pena beber desse sentimento?

E quando toda essa pequena tempestade de emoções começa a se acalmar dentro de mim, do outro lado da porta ouço uma canção tocando no rádio em volume baixo, como que caprichadamente colocada naquele volume só para eu ouvir, e os versos diziam “Vai minha tristeza / e diz à ela / Que sem ela não pode ser / Diz-lhe numa prece que ela regresse /
Porque eu não posso mais sofrer / Chega de saudade, a realidade é que sem ela / Não há paz, não há beleza, é só tristeza / E a melancolia que não sai mim, não sai de mim, não sai / Mas se ela voltar, se ela voltar / Que coisa linda, que coisa louca / Pois há menos peixinhos a nadar no mar / Do que os beijinhos que eu darei na sua boca”, e ao terminar de ouvir os versos, como um anjo que toca um cântico celestial para abençoar nosso espírito e nos proteger de qualquer mal, eu tive a prova divina que nem sempre podemos ser donos do nosso destino e controlar os sentimentos. Percebi que gastei tempo de mais desperdiçando paixões... Chega de saudade! Agora só me interessa viver esse amor, quando a saudade acabar e ela voltar.

* Victor Matheus